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Oficina de qualificação no ramo de confeitaria mostra a força do empreendedorismo nas favelas e incentiva o desenvolvimento de empreendedores em Vergel do Lago, comunidade alagoense

Por Ísis Castro

Alunas e líderes da oficina de confeitaria durante evento para a entrega dos certificados de conclusão. Foto: Mandaú Mundo

Quem vive na comunidade do Vergel do Lago, em Maceió (AL), provavelmente já ouviu falar dos doces de Ana Dayse, uma confeiteira de mão cheia que, há quase uma década, empreende na região. A paixão pela confeitaria começou ainda na infância, aos 12 anos, quando Ana aprendeu a fazer doces com uma de suas tias. Em pouco tempo, o empreendedorismo se tornou um sonho, mas a vida tomou rumos diferentes.

Na adolescência, o desejo de empreender ficou de lado e a prioridade de Ana, mãe solo de duas meninas, passou a ser cuidar de suas filhas. Trabalhando como auxiliar de cozinha, garçonete e saladeira em restaurantes e bufês, Ana seguiu em frente sem nunca se esquecer de sua paixão, a confeitaria.

Foi em 2015, pouco depois de mudar-se para o Vergel do Lago com o atual marido, que Ana Dayse finalmente deu início à profissão. Atendendo ao pedido de uma moradora da comunidade, a alagoense preparou uma torta doce em troca de fôrmas de bolo. Assim, pouco a pouco, ela começou a adquirir os materiais necessários para realizar o sonho que carregava há tantos anos.

Hoje, dona do Espaço Ana Dayse, mãe de três filhas e líder do núcleo da Abrasel no Vergel do Lago, a confeiteira tem uma rotina agitada e conta com o apoio de familiares, além de quatro funcionários, todos moradores da comunidade.

Para ela, o empreendedorismo foi uma transformação. “A minha adolescência foi muito difícil, eu era uma jovem problemática e não tinha nenhuma perspectiva de ter um futuro bom. Foi a confeitaria quem mudou tudo e me deu uma nova vida”, conta.

A história de Ana Dayse, apesar de pessoal, reflete a realidade de muitas outras mulheres que habitam as comunidades de todo o Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Data Favela, em 2023, mostrou que empreender é o segundo maior sonho dos moradores das favelas brasileiras (21%), perdendo apenas para o desejo de ter uma casa própria (27%).

Foi pensando em apoiar o sonho de mulheres confeiteiras que Ana Dayse idealizou um projeto de especialização no Vergel do Lago. Com apoio de Carlos Jorge, líder comunitário e presidente do Instituto Mundaú Mundo, Ana deu início a uma oficina de confeitaria na comunidade. Até maio deste ano, 30 mulheres já haviam sido impactadas pela iniciativa.

A oficina de confeitaria

Para além de um sonho, o empreendedorismo nas favelas, muitas vezes, nasce por necessidade. Fatores como a falta de especializações e os salários baixos distanciam os moradores de comunidades do mercado de trabalho, os encorajando a abrirem um negócio próprio e, geralmente, informal.

No Vergel do Lago, Ana Dayse observa que muitas mulheres trabalham vendendo doces e salgados pelas ruas ou na porta de suas próprias casas, mas sem possuírem conhecimento de técnicas importantes para atrair clientes e organizar as vendas. Pensando nisso, ela compartilhou com amigos a vontade de oferecer um curso gratuito para moradores da comunidade.

A partir daí, Carlos Jorge entrou na história e abraçou a ideia. Por meio do Instituto Mundaú Mundo, foi formada a primeira turma da Oficina de Confeitaria do Vergel do Lago, em março deste ano.

Durante quase dois meses, as trinta alunas do curso participaram de aulas ministradas pelas confeiteiras Ana Dayse e Maria Cristina, a “Branca”, além de terem adquirido aprendizados sobre inteligência emocional e atendimento ao cliente com a psicóloga Alessandra Anselmo.

Para Carlos, ver as alunas do curso colocando os aprendizados em prática é a prova de que dar vida ao projeto foi muito importante. “Ainda durante a oficina, as mulheres relatavam que estavam conseguindo fazer doces melhores e vender mais. Com o sucesso dessa primeira turma, o nosso objetivo é continuar com a capacitação, formando profissionais de sucesso na comunidade”, diz.

Além das aulas práticas, em que as alunas aprenderam técnicas de elaboração de tortas, salgados e doces, a oficina de confeitaria também abordou tópicos importantes no empreendedorismo, como a gestão de negócios, estruturação financeira e liderança de pessoas.

Autoconfiança como combustível

Uma das alunas formadas pela oficina, Daniela Santos, iniciou a sua história com a confeitaria há pouco mais de dez anos, atendendo aos poucos clientes que tinha. No início, os seus bolos eram simples e preparados com massa pronta. Sem recursos para investir em uma especialização, ela pensou em desistir muitas vezes.

Em março, uma de suas irmãs soube que um curso gratuito de confeitaria estava sendo oferecido na comunidade, e avisou para Daniela, que se inscreveu. Chamada para participar da turma, em poucos dias a confeiteira conseguiu aprender o que mais queria: como preparar uma massa de bolo do zero.

“O curso foi muito importante para mim. Antes, eu recebia poucas encomendas e, normalmente, fazia os bolos para aniversários de familiares. Nunca ficava satisfeita com o resultado. Agora, sei preparar os bolos exatamente como quero e, com isso, passei a ter a autoconfiança de vender eles na comunidade. Em breve, também vou começar a fazer salgados”, afirma Daniela.

Para além de gerar renda, a confeitaria trouxe à Daniela a oportunidade de trabalhar em casa. Com dois filhos e precisando dedicar cuidados especiais para a mãe, ao mesmo tempo em que vende e prepara os doces e salgados, ela consegue cuidar da família.

“Aos poucos, estou evoluindo com o meu negócio e sonhando em, no futuro, abrir a minha própria cozinha. Hoje, tenho uma confiança muito grande e acredito no meu potencial. Perdi a vergonha que eu carregava e agora sei que posso ir além”, diz Daniela.

A potência do empreendedorismo na favela

Atualmente, segundo o Data Favela, 50% dos habitantes de comunidades brasileiras dizem empreender e, juntos, movimentam 200 bilhões de reais por ano. Entre os tipos de negócios mais comuns, os estabelecimentos de alimentação fora do lar aparecem em primeiro lugar, com 15%.

O empreendedorismo nas favelas, apesar de apresentar desafios, é um agente de transformação social. Com grande potencial econômico, os empreendimentos das comunidades geram renda e emprego para a população local, impulsionando o PIB das cidades e transformando vidas, como a de Ana Dayse.

“Quando uma pessoa começa a empreender, ela não impacta apenas a própria história, mas a de sua família e de todos ao redor, gerando emprego e renda. Às vezes, tudo o que falta é um incentivo, um apoio. Por isso, eu digo: acreditem nas pessoas e na transformação delas. Dentro das favelas há talentos gigantes esperando por uma oportunidade”, diz Ana Dayse.

Para além dos benefícios econômicos, os empreendimentos em comunidades são parte importante no fortalecimento de laços sociais. Esses negócios não só promovem relações de apoio e cooperação entre os moradores, mas também cultivam um senso de identidade e orgulho.

“O que eu tenho a dizer, especialmente para as mulheres das favelas, é que elas não desistam e mantenham a cabeça erguida. Todas nós somos capazes de empreender e superar os desafios que surgirem nessa caminhada. Lá na frente, você vai olhar para trás e ter orgulho de tudo o que construiu, das vidas que impactou”, afirma Daniela Santos.

*Publicado originalmente na edição 157 da Bares&Restaurantes

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